PARA TÂNIA, MULHER COM F MAIÚSCULO DE FEMININO
Somente agora, dezoito anos depois, relendo o livro do RILKE (CARTAS A UM JOVEM POETA E A CANCÃO DE AMOR E DE MORTE DO PORTA ESTANDARTE CRISTOVÃO RILKE) Editora Globo, tradução de Paulo Ronai e Cecília Meireles, encontrei as palavras para expressar e lhe dar aquilo que já é seu: o meu amor.
Para começar, reproduzo a dedicatória que você escreveu, então:
É a partir do mergulho no mais profundo de nossa solidão, enfrentando o medo da descoberta, quão intensa ela pode se mostrar; é a partir da compreensão de que nossa solidão é antes de tudo e mais que tudo nossa aliada que, sempre presente, como uma artesã, envolve-nos com suas mãos e trabalha em nosso interior, acrescentando, reformulando, lapidando, esculpindo aquele que a abriga.
É através desse encontro cara-a-cara com a maior de nossas dores, que encontramos o caminho para sair de nosso útero e emergir como filhos de nós mesmos, pais de nossa própria vida, semente de nosso fruto. Mestre-artesão e aprendiz…
Abraço e beijo você com muito carinho. Tânia. 17/03/79
Na página 59, RILKE diz: “A moça e a mulher, em sua nova e peculiar evolução, apenas transitoriamente imitarão os hábitos e os vícios masculinos, só transitoriamente repetirão as profissões masculinas. Depois de passada a incerteza dessa transição, é que se poderá perceber que as mulheres não adotaram toda aquela multidão de disfarces (frequentemente ridículos) senão para limpar sua profunda essência das influências deformadoras do outro sexo”.
A mulher em quem a vida habita mais direta, fértil e cheia de confiança, deve, na realidade, ter-se tornado mais amadurecida, mais humana que os homens, criaturas leves a quem o peso de um fruto carnal não fez descer sob a superfície da vida e que, vaidosos e apressados, subestimam o que pensam amar. Esta humanidade da mulher, levada a termo entre dores e humilhações há de vir à luz, uma vez despidas, nas transformações de sua situação exterior, as convenções de exclusiva feminilidade. Os homens que não a sentem vir ainda, serão por ela surpreendidos e derrotados um dia (desde já predito, sobretudo nos países nórdicos, por sinais fidedignos) ali estará a moça, ali estará a mulher cujo nome não mais significará apenas uma oposição ao macho, nem suscitará a idéia de complemento e de limite, mas sim, a de vida, de existência: a mulher-ser-humano.
Esse progresso há de transformar radicalmente (muito contra a vontade dos homens, de quem tomará à dianteira) a vida amorosa hoje tão cheia de erros numa relação de ser humano para ser humano, não de macho para fêmea. E esse amor mais humano (que se produzirá de maneira infinitamente atenciosa e discreta, num atar e desatar claro e correto) assemelhar-se-á àquele que nos preparamos, lutando fatigosamente, um amor que consiste na mútua proteção, limitação e saudação de duas solidões.
Preciso dizer mais alguma coisa?- Preciso! Com certeza a-b-s-o-l-u-t-a, você já é a mulher da metade da minha vida.