Julio Cortazar

                                                     AMARELINHA

“A amarelinha é jogada com uma pedra que você tem que empurrar com a ponta do sapato.
Ingredientes:
uma calçada,
uma pedra,
um sapato,
  e um lindo desenho a giz, de preferência colorido.
  O céu está lá em cima,
  Abaixo está a Terra,
É muito difícil chegar ao Céu com a pedra, quase sempre se calcula mal e a pedra sai do desenho.
  Aos poucos, porém, vai-se adquirindo a habilidade necessária para superar os diferentes quadrados (amarelinha caracol, amarelinha retangular, amarelinha fantasia, pouco usada)
e um dia você aprende a sair da Terra e levar a pedra para o Céu,
  até você entrar no céu,
  O ruim é que justamente nesse ponto, quando quase ninguém aprendeu a levantar a pedra para o Céu, a infância termina repentinamente e a pessoa cai nos romances, na angústia do foguete divino, na especulação sobre outro Céu para o qual também é preciso. aprenda a chegar lá.
  E por ter deixado a infância esquece que para chegar ao Céu são necessários, como ingredientes, uma pedrinha e a ponta de um sapato.”

Júlio Cortázar

SER CRONOPIO
“No es fácil ser cronopio. Lo sé por razones profundas, por haber tratado de serlo a lo largo de mi vida; conozco los fracasos, las renuncias y las traiciones. Ser fama o esperanza es simple, basta con dejarse ir y la vida hace el resto. Ser cronopio es contrapelo, contraluz, contranovela, contradanza, contratodo, contrabajo, contrafagote, contra y recontra cada día contra cada cosa que los demás aceptan y que tiene fuerza de ley. Y ser cronopio es difícil e intermitente, igualmente difícil es representar a los cronopios, dibujarlos o esculpirlos…”

                           História Verídica

De um homem cai ao chão os óculos, que fazem um barulho terrível ao chocar com as pedras. O Homem se agacha aflitíssimo porque as lentes custam muito caro, mas descobre assombrado que por milagre não se quebraram. Agora este homem se sente profundamente agradecido e compreende que o acidente vale como uma amistosa advertência, de modo que se encaminha para  uma ótica e compra um estojo de couro almofadado, com dupla proteção, afim de ficar em segurança. Uma hora depois o estojo lhe cai das mãos e ao agachar-se sem maiores temores, descobre que o óculos virou pó. O homem leva um tempo  para compreender que os desígnios da providência são inescrutáveis, e que na verdade o milagre aconteceu agora.

(Julio Cortázar)