CANÇÃO PARA IARA – LIVRO

Meu caro amigo

         A correnteza da vida nos arrasta, ou nos deixamos arrastar, de tal modo que acabamos nos distanciando, não por dificuldade de comunicação, mas por exigências físicas, emocionais e coisa e tal.

 Não é uma justificativa. Também não é algo que se resgate em reuniões anuais, amigos da classe de 1950,   Sacumé ?

 Ficar remoendo culpa também não faz bem para o coração nem para a gastrite. Acredito que o importante é saber que amigos novos não substituem os antigos, até porque o tempo é outro, as pessoas são diferentes e ninguém se banha duas vezes no mesmo rio.

 O entendimento é um trem que sempre chega atrasado. mas chega. Para mim chegou após muitos anos esperando na estação a felicidade, que Júlio Cortázar definiu como “a puta vestida de verde” que jamais apareceu.

 Demorou para que eu entendesse esse processo. Hoje eu sei que os amigos que, em algum momento, compartilharam da minha vida, estarão sempre presentes e vivos em minha memória afetiva, em meu coração.

 Uma vez você me disse, na mesa de um bar, enquanto eu estava tendo uma catarse emocional: “Deus é bom, tudo passa depressa!”. Hoje eu sei. O amor é o único caminho que nos leva ao lugar certo.

Las chaves e las trancas

 Ouvi dizer que os mundos, se é que existe mais de um, segundo a teoria das cebolas, são dispostos em camadas, de tal modo que, aquilo que se passa em um, passa em outro, num processo sutil, o qual chamamos de muitos nomes, e que, ao fim e ao cabo, não passa de uma lei de causa e efeito.

Se iniciasse essa, dizendo que tu, Júlio, me influenciaste, os críticos de plantão me crucificariam. Prefiro mesmo dizer que tu me disseste que todo conto parte sempre de uma perspectiva e expectativa própria, que busca o outro, o leitor, como quem busca um cúmplice de um sentimento, desse estranhamento que é estar aqui e não estar aqui. Tu sabes, como ninguém, do que estou falando. Abrir um livro e sentir aquela íntima sensação: isso foi escrito para mim.

 Mas enquanto, Adolfo, teu cérebro e teu coração não chegarem a um acordo sobre quem comanda, continuarás andando feito um caranguejo: um passo à frente, dois para trás.

Da série: falando com os meus botões

 Quero dizer: falando sozinho, comigo mesmo, somente na rua não faço isso. Hoje em dia já se tornou coisa tão comum que os loucos, os neuróticos, são confundidos com, esses mesmos, loucos e neuróticos, que trabalham em telemarketing. E vocês não precisam de nenhum bluetooth ou emparelhar com a minha rede para saber o que eu estou falando.

 É o seguinte: quero dizer que, assim como uma grande parcela do universo masculino recorre a estimulantes para conseguir exercitar suas ereções, matinais, ao entardecer, à noite, o que seja; eu também tenho uma necessidade, ainda não sei se fisiológica ou emocional, de recorrer a estimulantes, socialmente aceitos, drogas legais como se diz, e o faço com uma frequência que eu chamo de socialmente correta. Vamos esclarecer, para não haver nenhum mal entendido, estou falando da cerveja, e não vou falar de marcas para não ficar fazendo propaganda barata, essas de camiseta, que as de outdoor custam os olhos da cara e são patrocinadas. Anseio o dia de poder estampar, a exemplo dos jogadores de futebol, “O Itaú é o meu banco, e nada me faltará!” Enquanto isso…

 Estava falando de ereções, e não foi por acaso que desviei o assunto. Após uma necessária intervenção na próstata, fiquei completamente impotente. Assim meu cérebro, sabiamente, como diria Freud, transferiu, para usar uma linguagem do mesmo, a zona do prazer para a zona do agrião, aquela que fica ali no purgatório, entre o céu e o inferno, onde o não fede e o não cheira se encontram e vivem felizes enquanto esperam o próximo trem, para outra estação…

Voltando a falar de mim, e por mais que eu invente personagens, o leitor fará a leitura com os seus olhos, o papel da literatura será cumprido e meus pudores, sejam de que natureza forem, serão todos triturados pelo tempo.

No meu caso, para um homem que bebia de segunda a sexta, á noite, depois do trabalho, em botequins do Rio de Janeiro e nos fins de semana bebia em casa, “socialmente”, dizer que hoje duas cervejas são a minha medida para atingir minhas ereções (insights) emocionais e intelectuais, significa dizer que hoje eu tenho 64 anos e adquiri, à custa de algum sofrimento, a “sabedoria para perceber a diferença”.

Vamos combinar assim:

– Eu vou sair para colher as bolhas. Você sopra!

(Maria Lucia Cidade Vidal)

 

 Eu queria ser um homem simples

e cantar canções simples… (pop)

 

 Mestre, eu queria ter-lhe trazido um presente

mas estou com minhas mãos vazias…

Ponha no chão, filho, ponha no chão!

 

                         (anedotário Zen)

Conversa fiada

Não se deixe levar pelas aparências. Sou um homem rico. Depois de trinta e seis anos bem prestados à atividade bancária, posso dizer, com a sabedoria dos aposentados, que toda a minha riqueza acumulada não pode ser medida ou pesada, para seguir aquela regra do vale quanto pesa, coisa que se aplica muito mais ao ouro e outros metais, inclusive o cobre, o primo mais pobre da cadeia alimentar, e que por isso mesmo a população tem fácil acesso, e não vamos aqui falar do latão, para não constranger mais do que já são os catadores do nosso lixo urbano, em bom português, as pessoas que limpam os nossos esgotos

Essa coisa de ir esticando a conversa, conversando fiado, herdei do meu pai, que era Estivador, mais por força de necessidade de ter que alimentar nove filhos da primeira linhagem e três da segunda. E que, um dia, usou dos outros talentos que possuía para salvar a sua vida, no primeiro atentado. No segundo saiu ferido, conforme narrado em uma crônica, chamada Roda de Estiva, que por enquanto circula em círculos restritos, por uma questão de intimidade, mas que, pelo andar da carruagem, pode vir a ser publicada em e-book, e aí sim, estará disponível, em suas mãos.

Não há nada de errado na ascensão social. Essa é a busca mais legítima e saudável do ser humano. Voltar pra casa. Em palavras ouvidas dentro de uma igreja: Encontrar D’us.

Dai deriva (e isso me ocorreu agora) todo o sistema capitalista. Não tenho nada contra os valores que o sustentam, o que me incomoda são as propagandas, as cartilhas, os panfletos, o comercial embutido, que no final dos contas ou no frigir dos ovos, acabam enchendo o nosso saco, em bom português, mais uma vez, vampirizando todas as nossas melhores energias.

 

Oi Tio,

Eu estava pensando no seu livro, e há muito tempo não escrevo em português então espero que faça sentido o que vou dizer.

Primeiro obrigado por incluir a viajem de Nova Iorque, fiquei contente de ter uma pequena participação.

Segundo eu acho que o seu talento para escrever e muito claro, mas o mais impressionante para mim é a coragem que leva para se abrir e mostrar a suas emoções. Pra alguém que por muito tempo se sentiu ou se identificou como reprimido (não sei se está e a palavra certa) você expressou suas  idéias  e sentimentos de uma forma muito bonita para mim. Especialmente nas cartas para Julia e para tia Tania, o seu amor por elas transcendeu as páginas e (tem um dizer em inglês, desculpa a tradução) esquentou o meu coração- o sentimento de conforto e felicidades de quando se vê o melhor da humanidade.

Por último foi inesperado mas apreciado ter uma oportunidade de ouvir/ler pequenos contos da Vovó, do Vovô e velho zé.

Ou seja tudo isso para dizer gostei muito do livro,
Muita saudades,
Bjs para vc, Tia Tania e Julia

Laura

Uma introdução necessária

 

Quando conheci Iara, há trinta e cinco anos, não imaginava  que aquilo que deveria ser uma simples carta de amor adolescente (apaixonada e desesperada) se transformaria numa canção pretensiosa, sem dúvida,  apenas mais apaixonada. Porque os caminhos que levam ao amor ou que o  conduzem são misteriosos e estão, de uma maneira ou de outra, associados ao  que Borges chamou de sorte, no sentido de destino.

    Se em algum momento abusar das citações (e serão muitos), não  entendam como sinal de erudição, antes  como um reconhecimento  e homenagem  a estas pessoas que me ensinaram, que   me deram  de beber e de comer em suas fontes, generosamente.

    Em verdade, a minha intenção era escrever uma carta para lARA. Percebi, então, que o seu rosto adquiriu várias formas nestes anos todos. Descobri que poderia destinar esta carta a várias pessoas que me são queridas, ao mesmo tempo em que exorcizaria um pouco os meus fantasmas. Enquanto  exerço o que eu considero o sagrado direito de me  expressar, manter aceso o fio ou o pavio desta teia que se chama vida, tentar dar a esta geração nova o que eles não viram ou ouviram. No meu tempo, tinha-se formação. Não havia informação. Hoje tem-se muita  informação e muito pouca formação .Acho que é assim mesmo que a banda toca. Mais cedo ou mais tarde, os chamados conflitos de geração serão resolvidos harmoniosamente.

     Aprendi nestes quarenta e sete anos que viver é uma benção divina. Que a vida deve ser sempre uma celebração. Não uma condenação. Não significa que é um processo fácil e indolor. Apesar de sabermos que não somos auto-suficientes, precisamos crer que temos o inalienável direito de buscar a felicidade, sempre respeitando o próximo .   Que estas linhas possam servir a quem interessar em compartilhar um caminho de paz, amor e harmonia.

“Para manter o sultão acordado é preciso despertar a sua atenção e curiosidade em saber como a história vai se desenvolver e, uma técnica muito usada já naqueles tempos, era manter um suspense ao final do capítulo, onde o herói ou heroína são submetidos a situações de extremo perigo, e a saída só se revelará nas primeiras linhas do próximo capítulo.
No início, o herói precisava salvar a si mesmo e depois a mocinha. Depois criaram a necessidade de salvar o mundo, o que aumentou bastante a responsabilidade, e aos heróis então foram concedidos superpoderes. Com a dupla identidade, nasceram os disfarces. O mesmo para os vilões.
No velho oeste o meu herói era o Kid Colt. Usava um colete malhado em preto e branco, como a cor daqueles cavalos que os índios montavam. Usava os colders virados para poder sacar com as mão cruzadas. Era conhecido como o proscrito e vivia errando de cidade em cidade onde sempre acabava reconhecido e desafiado por conta de sua fama de ser o mais rápido no gatilho. Para um garoto em pleno rito de passagem pela puberdade, a identificação foi imediata e de primeiro grau.” (Canção para Iara – Pág. 95)

 

“Nossos dias de crianças puras e inocentes acabam quando vamos para a cama, não mais com aquela ansiedade, curiosidade e excitação para que logo amanheça, mas com alguma angústia instalada de preocupação, como se a partir de agora, que chegamos a segunda porta da percepção, a puberdade, todos os nossos movimentos passassem a ser observados. Felizes aqueles que, chegando à porta da idade da razão voltam a ir para a cama, ansiosos, curiosos e excitados com as surpresas que o novo dia anuncia.” Pág. 114.

Retrato carioca (Do Livro “Canção para Iara”

Depois que inventaram o “tá ruim”
Não ficou bom pra ninguém
Quem é rico diz que é pobre
Quem é pobre diz que é Zen

O Petrúcio  me ensinou
Escute  João  Nogueira
(Quem acha vive se perdendo…)
Me perdi lá na mangueira

Quem tem boca acha o rumo
Fui parar na gafieira
Encontrei o meu amor
Na segunda saideira

Summertime era a canção
que gravou o sentimento
corpos quentes no salão
A orquestra está demais
Quem está fora não entra
Quem está dentro não sai

 

O Velho e o Mar

 Quando eu li “O Velho e o Mar”, de Hemingway, imaginei, no parágrafo em que o peixe é fisgado e vem à tona, o seu tamanho e a sua beleza.

 Quando eu vi o filme, com Spencer Tracy, fazendo magnificamente o papel do velho pescador Santiago, fiquei de boca aberta quando descobri que o tamanho era o mesmo que havia imaginado.

Agora, anos depois, reflito com frequência sobre aquele “duelo”. E a cada dia me convenço de que Hemingway escreveu o livro numa narrativa bela e irreparável, para nos dizer uma única frase:

 “Um homem pode ser morto, mas não pode ser derrotado”.

 Nesse momento, estou no barco, meu nome é SANTIAGO e começo a sentir o cheiro das sardinhas podres…

Esta é a sua vida

Nos anos 60 havia um programa de tv de muito sucesso chamado “Esta é a Sua Vida!”. J. Silvestre, carismático apresentador, já falecido, ia apresentando no decorrer do programa toda a árvore “ginecológica” do participante que se debulhava em lágrimas, acompanhado por um auditório ao vivo e remoto.

Não conheço ninguém que tenha ido, como se diz, para o outro lado, e tenha enviado em qualquer material, timbrado e registrado, o que por lá se passou. O Samba da Benção, do Vinícius, já falava sobre o assunto.

 Tenho uma teoria, que a cada dia acredito mais, que todos nós, homens e mulheres, temos implantado nessa maravilhosa máquina chamada corpo, um hd, pessoal e intransferível, criptografado, e somente nós temos a senha, para o caso do inevitável se apresentar sem hora marcada, como sempre acontece. Não se preocupe em fazer uma cópia da senha, não é necessário. O homem lá de cima possui uma chave mestra que abre qualquer arquivo.

 Minha teoria termina quando chegar lá, seja onde for, lado, cima, embaixo, onde se encontram todos os arquivos mortos, e o homem lá de cima, – presumo que ainda seja assim-, requisitar a um funcionário, que pode até ser o J. Silvestre, o próprio Vinicius, que já está lá por aquelas bandas, que busque o meu Hd, onde estão gravados todos os meus momentos de vigília e de sonhos, agora editados numa tecnologia que o mercado daqui jamais sonhou existir, sem auditório presente ou remoto, “essa é a sua vida”, edição sem cortes do Grande Diretor.

Um dia de fantasia

 Depois de anos trabalhando em ambientes fechados, de terno e gravata, com horário para chegar, virando noite de Ano Novo, para fechar o balanço anual, com prazo para publicação oficial, depois de conferido e aprovado; um paisano começa a sonhar ansiosamente com o primeiro dia de aposentado.

 Comecei a fantasiar que um dia, uma Segunda-Feira, no horário entre 08 e 09 horas da manhã, quando todo mundo está indo para o trabalho, bem entendido, aqueles que têm um, em escritório com ambiente fechado, eu, de bermuda, chinelo de dedos e camiseta, pegaria o metrô na Tijuca até a praia de Copacabana, para ser mais exato, em frente ao Copacabana Palace, escolheria um quiosque e sentaria em uma mesa, de costas para o mar. O plano era pedir uma lata de cerveja, ape-nas uma e fumar os três cigarros que restavam no maço.

 A fantasia não durou cinco minutos. Uma mulher, moradora de rua, se aproximou e pediu um copo da minha cerveja. Neguei, e ela pediu um cigarro. Dei o cigarro, acabei de tomar a cerveja que não desceu mais redonda conforme promete a propaganda, acendi o último cigarro, paguei, saí em direção ao metrô e voltei para casa.

 Moral da história: a teoria na prática é sempre outra.

Reflexos

 

 O entendimento é um trem que chega invariavelmente atrasado. Mas chega. Compreendemos então que embarcar ou desembarcar são apenas placas, sinais que indicam caminhos para passageiros em trânsito.

 Perdemos o encanto e a magia quando ouvimos pela primeira vez a lenda do arco-íris. O pote de ouro. O que era uma misteriosa e fascinante jornada pela estrada, trilhos da vida, em busca da sorte, transformou-se num projeto ansioso e neurótico de chegar primeiro e registrar a posse da mina.

 Mais do que a celebração, perdemos o sentido, o rumo, perdemos o pé e nos agarramos a qualquer boia que nos dê a sensação de sobrevivência.

 

O que nos leva, invariavelmente, à proliferação de seitas…