Arquivo mensal: Maio 2023

O homem que amava os cavalos.

Eram 10:44 do dia 03/05/23 quando recebi a mensagem no whatsapp, da Nely: Sida, desculpe. Notícia ruim! O Zeca faleceu.

Quando mudamos para a casa (uma casa geminada, nossa vizinha era Dona Inez, uma mulher incrível, viúva, que tinha uma tendinha na frente, onde toda a comunidade do jockey, se reunia) na rua Campos Velho conhecida como faixa preta, que descia do bairro cavalhada até o Hipódromo do Cristal, nome do bairro, inaugurado em 1959, o Zeca começou a ir diariamente ao jockey, para ver o treino dos cavalos, conhecer os tratadores, colher todas aquelas informações de cocheira, conhecidas na linguagem do turfe como barbadas, que eram guardadas a sete chaves e compartilhadas apenas com os parceiros conhecidos.
O ano era 1961 e tive certeza disso quando o oráculo me confirmou que foi o ano da campanha da legalidade, Brizola, João Goulart.

Em 62 teve a copa do Chile a primeira a ser televisionada a cores que a gente via no dia seguinte no televizinho.
Então, nós tínhamos 12 anos, os gêmeos da Dona Amália.
Fomos para escolas diferentes e acabamos fazendo o quarto ano do ginásio no Colégio Lemos Júnior em Rio Grande, curso noturno, em turmas diferentes. 1965/1966.

A vida dele foi desde então até 2017 mais ou menos, dirigida para os cavalos. Tinha uma rotina de monge.

Sem especular condicionantes, não casou e trabalhou por um ano apenas com carteira assinada. Tenho certeza que, se não casou, não foi por causa dos argumentos do Tio Candinho: – Se tiver que passar fome, passo sozinho. Argumento nobre, mas pobre de espírito.

Em 1973 voltei a morar com ele em Porto Alegre, e a gente compartilhava música brasileira e pop. Escritores e poesia russa. Herman Hesse. O Pasquim, os quadrinhos do Kid Farofa, Charlie Brown e Mafalda.
Nesta época ele traduziu um livro do Haroldo Robbins do inglês usando um dicionário. O livro era os “insaciáveis” ou “A fogueira das vaidades”.

Durante um período de 5 anos ou mais, por conta de uma crise de pânico desencadeada por um episódio, que não merece ser mencionado aqui, ficou sem sair de casa. Neste tempo trocou uma vasta correspondência com os irmãos que moravam no Rio de Janeiro. A maior parte se perdeu. Salvaram-se 5 cartas que serão publicadas no Correio da Tijuca,  para recordação da família.

Assim como todo muçulmano vai a Meca em peregrinação, ele vinha ao Rio de Janeiro, uma vez por ano, na semana do Grande Prêmio Brasil. Vinha de ônibus, de avião, quando a Nely ou a Luemy patrocinavam e algumas vezes de carona naqueles caminhões que traziam os cavalos comprados por algum Haras aqui do Rio. Nestas ocasiões encontrava com ele, na casa da Nely.

No dia 12 de Maio , o Miltom, a Shirlei e a Lúcia, levaram as cinzas para serem espalhadas no lugar que ele mais frequentou na vida e que amava, na grama do (Prado) Hipódromo do Cristal. Descanse em paz, Zeca!

Por: adolfo.wyse@gmail.com