Naquele dia, saindo Jesus de casa, sentou-se à beira-mar. E, como o povo se reunia em massa e vinha ter com ele gente de todas as cidades, reuniu-se em torno dele tão grande multidão, que Jesus, entrando num barco que estava no mar, sentou-se nele, e, dirigindo-se ao povo que estava em terra, de pé na praia, ensinou-lhes muitas coisas por meio de parábolas. E disse-lhes no seu ensinamento:
“Ouvi: Eis que o semeador saiu a semear a sua semente. E ao semear, uma parte das sementes caiu à beira do caminho, e vieram as aves do céu e a comeram, e outras foram pisadas.
Outra parte caiu em lugares pedregosos, onde não havia muita terra nem umidade, e logo nasceu porque a terra não era profunda. Mas, ao surgir o sol, queimou-se e, porque não tinha raiz, secou.
Outra parte das sementes caiu entre os espinhos; e os espinhos cresceram e a sufocaram, e não deu fruto algum.
Outras, finalmente, caíram em terra boa, fértil e, brotando, cresceram e produziram fruto que cresceu e se desenvolveu, e uma produziu trinta, outra sessenta e outra cem”.
E, dizendo isso, exclamou em voz mais alta, acrescentando: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça!” (Evangelhos de: Mateus, cap. 13, vv. 1 a 9 – Marcos, cap. 4, vv. 1 a 9 – Lucas, cap. 8, vv. 4 a 8).
EXPLICAÇÕES DE JESUS
Jesus disse-lhes: “Ouvi, portanto, a parábola do semeador. Não compreendeis essa parábola? E como podereis entender todas as parábolas? Eis, pois, o que significa essa parábola:
A semente é a Palavra de Deus. O semeador semeia a Palavra.
Os que estão à beira do caminho onde a Palavra do Reino foi semeada são aqueles que ouvem e não a entendem, e logo vem o Maligno e arrebata a Palavra que neles foi semeada no coração, para que não creiam e se salvem. Esse é o que foi semeado à beira do caminho.
Os que estão em solo pedregoso são os que ouvem a Palavra de Deus e imediatamente a recebem com alegria. Mas, como não têm em si mesmos raízes e crêem apenas por algum momento, não subsistem senão por algum tempo; porque na hora da tentação desistem, sobrevindo a tribulação e a perseguição por causa da Palavra, logo se escandalizam e sucumbem.
Os que estão entre espinhos são os que ouvem a Palavra, mas, caminhando sob o peso dos cuidados do mundo, da sedução da riqueza, das ambições de outras coisas e dos prazeres da vida, sufocam a Palavra e a tornam infrutífera.
Os que estão em terra boa são os que, tendo ouvido a Palavra e a compreendendo com coração bom e puro acolhem-na, conservam-na e produzem fruto pela perseverança. Estes dão fruto, um trinta, outro sessenta e outro cem”. (Evangelhos de: Mateus, cap. 13, vv. 18 a 23 – Marcos, cap. 4, vv. 13 a 20 – Lucas, cap. 8, vv. 11 a 15).
A parábola do semeador é tão fundamental para a compreensão do processo evolutivo do espírito que o Mestre a interpretou para que não existisse qualquer dúvida. Isso, depois que esteve às sós com os seus apóstolos, como fazia com frequência. Nessa parábola, Jesus classifica os níveis de evolução espiritual daqueles que ouvem as orientações conscienciais quanto aos direitos e deveres naturais de cada ser na Terra segundo as leis morais da Vida. Afinal, é na consciência onde está escrita a lei Deus, conforme a pergunta seiscentos e vinte e um de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec.
A parábola do semeador e outras parábolas foram relatadas em Cafarnaum, à beira-mar, diante de grande multidão composta de “gente de todas as cidades”. Como de costume, Jesus ensinava num barco, recorrendo à realidade do povo para ensinar lições profundas, de natureza espiritual.
Ao narrar a parábola do semeador, Jesus considera o Homem como a própria semente e não como os diversos tipos de solo que recebem a semente da Palavra. Tais expressões nascem de uma confusão na interpretação da parábola, identificando os homens ora com os diversos tipos de solo, ora com a semente que produz trinta, sessenta ou cem frutos. Ao explicar a parábola, atendendo ao pedido dos apóstolos, o divino Messias destaca quatro níveis de estágios evolutivos: a) os que permanecem à “beira do caminho”; b) os que caminham em “solo pedregoso”; c) os que estão “entre espinhos”; d) os que vivem em “terra boa”.
Jesus explica que num nível primário de evolução intelecto-moral, encontram-se aqueles que estão “a beira do caminho”, ou seja, não estão evoluindo. São espíritos estacionários, ou seja, temporariamente distantes da evolução espiritual. Além disso, esses espíritos não dispõem de inteligência lúcida nem de senso moral adiantado ou desenvolvido para uma eficaz compreensão e para a vivência dos aspectos mais profundos do amor ao próximo e da vida espiritual. Pertencem a essa classe, os espíritos que não têm, segundo Allan Kardec, a maturidade do senso moral.
A segunda classe de espíritos, segundo a parábola e as explicações de Jesus, é caracterizada por aqueles que estão em “solo pedregoso”, isto é, estão no processo evolutivo, mas ainda não conseguem manter a disciplina da persistência nos trabalhos que realizam. São espíritos sem a devida estrutura para suportar e superar os obstáculos inerentes à evolução espiritual; em seus pontos vulneráveis, sucumbem aos testes provacionais e às tentações; diante das decepções, encontram justificativas para não mais perseverarem no trabalho iniciado. São indivíduos que iniciam projetos e não os concluem; apresentam-se entusiasmados para começar e desanimados para concluir. Esses indivíduos não mantêm uma constância a respeito do que almejam; agem assim em todas as atividades, principalmente no tocante à vivência da vida intelecto-moral. Também são precipitados, impacientes, querem resultados imediatos, sem as promoções do esforço diário, perseverante, disciplinado para uma edificação sólida no campo da espiritualidade.
Os espíritos ou indivíduos que estão “entre espinhos”, sempre cultivados por eles mesmos, são aqueles que tentam conciliar “servir a Deus e a Mamom” ou “servir a dois senhores” ou ainda, “dar a César o que é de Deus”, conforme alertou Jesus. Também acreditam que é possível conciliar os interesses espirituais com as ambições terrenas. Enganam-se ao pensar que podem contrariar as leis divinas “pondo remendo novo em pano velho” sem consequências dolorosas. “Sufocam” os ditames da consciência porque vivem uma vida de contradição. Também quando se deparam com a colheita dolorosa, interrompem temporariamente o proceder materialista, mas depois que a dor passa, retornam à idolatria material, não raras vezes, cultivando o hábito de usar a espiritualidade em prol de interesses meramente materiais. Esses indivíduos podem conhecer com profundidade os meandros das leis morais, sentem a responsabilidade, mas ainda não experimentam as alegrias de uma vida reta, livre do mau uso das paixões. Serão cobrados muito mais do que os outros das classes anteriores porquanto compreendem bem os avisos da Lei, mas teimam em desrespeitá-la.
A quarta classe mencionada por Jesus é composta por aqueles que vivem em “terra boa”. Esses indivíduos já superaram as fases transitórias e dolorosas do materialismo, têm inteligência lúcida e senso moral adiantado ou desenvolvido; ouvem e praticam os ditames da consciência; compreendem, aceitam e vivenciam o valor da perseverança e os mecanismos da Justiça da Lei Natural. Eles também reconhecem que sem esforço, sem disciplina, sem persistência e sem amor não é possível produzir e colher os frutos da felicidade suprema. Para completar a sábia explicação, o sublime Mestre afirma que alguns produzem trinta, outros sessenta e outros cem frutos, demonstrando que o trabalhador da Seara do Bem experimentará esse processo evolutivo conforme os seus talentos e níveis evolutivos.
Todos os dias as boas sementes do Cristo são semeadas em nossas vidas. Não faltam estímulos e orientações da consciência. No entanto, nem sempre nos encontramos na condição evolutiva dos que vivenciam a “terra boa”. As sementes das verdades eternas caem em todos os corações ainda que tomem diversas características por meio de inúmeros pensamentos e doutrinas que buscam nos aproximar de Deus, o grande semeador de vidas. Ainda que temporariamente caminhemos entre pedras e espinhos ou que estejamos à margem do caminho da evolução, o destino de todos nós é a perfeição espiritual. Porque essa é a determinação da Lei de Deus. Somos as sementes especiais do Pai misericordioso, sementes que nunca se perdem, não importando as nossas posições contrárias, mas transitórias, pelos caminhos evolutivos da Vida. Por isso, aqueles que não têm “ouvidos para ouvir” hoje, um dia compreenderão.